Espelho

   Num post atrás, intitulado Mistureba Imagética, eu havia feito a promessa de escrever textos sobre espelhos. Desde então tenho pensado muito em algumas opções e acabei por escrever 3 textos. Um mais ou menos, um chegando perto do objetivo e outro que é bem interessante. Apesar de ter pensado muito em escrever apenas o último texto que fiz, resolvi que vou colocar os 3 aqui, assim vocês poderão ler e, de repente, comentar qual que é o melhor. Às vezes, justo aquele que menos gostei foi aquele que, para vocês, ficou melhor. Opinião é algo muito subjetivo, e é sempre uma delícia saber o que vocês pensam sobre o que eu escrevo.
   Enfim, chega de blá blá blá e Boa leitura!







PELE DE VIDRO

   Sapo que vive em brejo é um tristeza: está acostumado a ter como espelho os lados e poças d'água. Olha para seu reflexo e se identifica consigo ao mergulhar em si mesmo. Mas a tristeza não está aí, mas no sonho de querer ir para a cidade grande.
   Quando o primeiro pensou nisso, todo mundo achou que estava delirando. Ele pensava nas maravilhas que haveria na cidade. Não nas pequenas: nas grandes, onde estava a verdadeira selva. E riam ensurdecidamente. Um dia, conheceu uma pomba da cidade: ela comprovava cada delírio do sapo. E todos coaxavam surpresos.
   Surgiu o plano: a pomba reuniria suas amigas e todos irão montar em suas costas rumo a cidade. E elas logo alertaram os sapos amantes de poças e lagos: lá existem espelhos gigantes. Espelhos duros, lindos, hipnóticos que não podem ser mergulhados. O último que tentou, morreu tentando. "OHH!".



   Mas aquilo que era para ser um aviso de perigo, logo tornou-se um desafio: sapos e mais sapos uniram-se dizendo que além de conseguir a proeza de ir para a cidade, iriam vencer o tal espelho monstro. A ideia espalhou-se de tal forma que ganhou um peso imenso na comunidade. Havia treinamentos, apostas e recompensa ao vencedor que voltasse vivo: férias na lagoa Azul. Era loucura, mas todos aceitaram.
   Naquele dia, o céu azul que cobria a cidade começou a ficar cheio de pombas carregadas. Ninguém entendia direito o que estava acontecendo, mas certamente iria dar uma audiência e tanto para quem cobrisse a notícia. Repórteres, jornalistas e curiosos juntaram-se para ver o que estava acontecendo. Súbito, iniciou-se o ataque ao maior prédio espelhado. Eram sapos!! Sapos suicidas, a princípios. Foi uma chuva de anfíbios como nunca se viu antes.
   Chamaram o ocorrido de "Apocalipse", "Epidemia sapônica" e até defenderam que aquilo poderia ter como justificação uma inovação para a reprodução da espécie.
   Já o senhor minhoca, que foi o único que sobrou para contar história, nunca foi procurado. Ou melhor, nunca souberam de sua existência. Realmente, morar em brejo é uma tristeza!







SENTINDO-SE ELEFANTE

   Olhava para o espelho e via outro como ele. Não podia ser ele: ele estava aqui. Olhava para o espelho e via: ele fazia e o outro imitava. Sabia que o outro não era ele pelo simples fato de o outro, ao toque, ser gelado. Era outro.
   Olhava no espelho. Via o que o outro não via: tinha vantagens. Olhava e via o outro olhando-o: o outro via o que ele não via: tinha desvantagens.
   Depois que olhou a primeira vez para o espelho nunca mais parou. E olhava atentamente. Se era outro, deveria ter alguma diferença. Mas não importava o ângulo, a luz do sol ou o vento: era sempre o mesmo. O outro era sempre igual a ele.
   Pobre outro: se era igual a ele, também tinha a mesma vida pacata. Ou será que isso, ao menos, era diferente?



   SENHORAS e SENHORES: chegou a hora da apresentação do famoso, do grandioso, do fantástico senhor Amendoim!! O que será que ele irá tirar da cartola hoje? Ele balança a varinha, faz PiriLiM pLoM PlOm e... um monociclo!! Ele sobe no monociclo, dá umas voltas, balança a cartola... balança... balança... um tambor!! Mas que apresentação, que espetáculo!!
   De fato, diferente. De fato... de fato: muito mais brilhante.







NO ESCURO

   De todos os lugares do mundo inteiro, eu só amava de paixão um. Era meu porto seguro, meu reino. Ficava lá, naquele quartinho escuro por horas seguidas. Toda vez que saía de lá, estava com as pernas doendo, porque ficava em pé, parado, e só. Para ficar mais confortável, levei uma cadeira. Minha mãe ficava preocupada comigo: como pode ficar a tarde inteira lá dentro sem dar um piu? Será que ele está bem? Mal sabia ela que ficava ainda melhor lá dentro. Ao fechar a porta do quartinho e sentar-me tudo mudava.


   Atenção soldados! Vejam só quem temos logo ali: os viajantes. Eles não são comuns, muito menos fantásticos. Eles são conhecidos como bolotas. Sabem o que eles fazem? A pior coisa que existe no mundo: bagunça. A última cidade que os acolheu sofreu sérias consequências ao mostrar o caminho para a cozinha. Os bolotas acabaram fazendo bolo de casa, suco de jardins e pulverizaram a cidade com uma quantidade absurda de fermento, ocasionando no inflamamento e consequente voo pelo universo. Tomem muito cuidado com eles. Escondam as cozinhas, guardem as canetas, enterrem o shampoo, queimem os sabonetes: os bolotas estão chegando. E avisem ao rei!!
   Vossa majestade!    - O que foi, Brutus? -    O general pediu que eu avisasse que os bolotas estão chegando.    - Hum... Trancaram as cozinhas? -    Sim, e estamos enterrando e destruindo canetas, shampoos e sabonetes.    - Perfeito. Mande que arrumem a torre abandonada. -    Oh, mas não era aquela que tinha a biblioteca proibida?    - Sim, mas não se preocupe: aposto que são inofensivos com livros. -     Se o senhor está seguro, então é para já.

   Passava muito tempo em frente aquele objeto misterioso. Imaginava histórias incríveis no meu reino. Eram bolotas, abébodas, saleiros, pirâmides... Adorava colocar, no meio de uma guerra, um baile. A música que saía daquele objeto, ecoava nas imensas salas, movia pessoas e mais pessoas a dançar do mesmo jeito, arrastando o ar, produzindo o vento e resolvendo os assuntos regados à boa música, comida, bebida e companhia. Era a música que vinha de lá que me inspirava cada vez mais. PÁ  ra ra PÁ ra ra PÁ ra ra, 1 2 3, 1 2 3, 1 2 3.



   Foi durante uma conversa que me surgiu a maior interrogação que mudaria tudo: começaram a contar que olhavam no espelho. E ficavam olhando para o espelho. Olhavam. Admiravam. Aquilo para mim era comum: olhava para ele e o admirava vendo meu reino. Então uma garota disse: "Meu espelho já me salvou de poucas e boas! Já pensou se não tivessem inventado o espelho? A gente teria que ir até um rio para se ver!". Se ver? "Eu sei que é vaidade, mas entendo muito bem por que Narciso quis ficar tanto tempo se admirando no espelho d'água. Mas foi tolo ao afogar-se: afinal, o que mais o espelho iria refletir além de sua própria imagem?". O espelho refletia!
   O espelho refletia! Queria ver o que ele refletia, mas não conseguia. Tocava no espelho em busca de uma imagem real. Passei dias angustiantes. Não conseguia ver o reflexo do espelho.
   Demorei muito tempo para entender que mesmo no escuro, eu via o reflexo do espelho. Eu vi desde o início. Eu via até aquele momento. E um dia, talvez, eu voltasse a vê-lo novamente.





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