Pentagrama: a loja do beco
Cidade movimentada e burguesa, com um centro muito famoso por suas lojas lotadas de produtos feitos artesanalmente, da melhor qualidade que poderia-se encontrar na região. Lojas cheias de produtos e de pessoas, pessoas que corriam pelas ruas, pelas ruas cheias. Cheias de música. Cheias.
A cada esquina, uma nota, um acorde. A cada músico, uma declaração. A vida daquela cidade não estava em lojas comuns, ou em pessoas lotando as ruas. A vida estava naquela loja, na loja do beco. O beco era meio estranho, num primeiro momento, e nada convidativo. Mas era um dos mais visitados. Isso porque aquela loja tinha o produto mais importante para a vida daquela cidade: instrumentos. Violão, violino, cello e viola. Uma ou outra flauta. O mais vendido era o violão: a tradição para qualquer músico.
Todos aqueles que queriam começar a tocar algum instrumento, iniciavam pelo violão, e dali nascia uma paixão. Formavam duplas, trios, grupos, orquestras, ecos. Era ao menos um violão por casa. E aquele luthier era o melhor que havia. Tinha começado na carreira muito cedo: logo quando menino de 6 anos já tocava algumas coisas sozinho no violão. Depois aprendeu o restante dos instrumentos que fabrica e conserta hoje. Era o orgulho da família e da cidade inteira.
Os novatos entravam para comprar um violão e saíam com dicas, uma música simples nos dedos e a segurança de que aquele violão tinha sido feito para ele. Os músicos (de fato) entravam para comprar um violão e saíam com uma música totalmente inédita nos dedos e um detalhe que só tinha no violão dele. E se alguém chegasse para consertar o violão, saía com ele novinho em folha.
O luthier além de vender os instrumentos, fazê-los e consertá-los, ainda escrevia músicas. Ele amava escrever músicas e sair distribuindo elas por aqui e por ali. Assim, quando ia dar uma volta pela cidade, ouvia suas obras, dançava-as e divertia-se vendo como dera certo.
Jamais ousara tentar dar aulas: apenas ensinava músicas e mostrava como tratar cada instrumento.
E assim a vida seguia muito bem. Até que, um dia, a cidade começou a ter imigrantes. Eles começaram morando na cidade, trabalhando aqui e ali. Não invadindo o espaço de ninguém, estava tudo bem. Mas não foi bem assim que aconteceu: O tais imigrantes começaram a querer tocar nas ruas também. Vender seus próprios instrumentos e concorrer com aqueles que lá estavam. De uma música, nasceu a guerra.
Todos os dias haviam músicos quebrando violões uns nas cabeças dos outros. Ou destruindo o violão do inimigo. Ou simplesmente guerrilhando.
Todos entravam na loja do luthier para comprar um violão que seria enterrado na cabeça do primeiro que aparecesse a sua frente. Quem em sã consciência iria querer ver seu trabalho e aquilo que era a diversão de todos transformando-se em arma? Bom, naquela situação apenas uma saída poderia ser tomada: fechar a loja.
O luthier relutou por muito tempo, até que não pôde mais aguentar aquela situação. A loja fechou. A guerra terminou. A música cessou. A cidade calou-se, esvaziou-se.
Os anos se passaram, as pessoas começaram a fazer tratados de paz, começaram a se entender, começaram a formar laços de amizade, começaram a reviver. E mesmo que a cidade já estivesse pronta, pedindo por música, o luthier não tinha mais coragem de abrir sua loja, fazer instrumentos ou mesmo tocá-los, como um dia fizera. Tinha medo. Tinha medo. Muito medo.
Medo por ele, medo pelos outros, medo pelos instrumentos, medo pela música, medo da música. Música. Mas era inevitável que de um jeito ou de outro a música iria nascer novamente, brotar de algum jeito, de algum lugar, afinal, a música era a alma e o corpo daquela cidade.
Certa manhã, enquanto todos ainda pensavam em levantar da cama, quando todos ainda pensavam em como seria o dia, enquanto... Aconteceu. Da loja do luthier, começou-se a ouvir umas notas, uns barulhinhos, uma música. O luthier, puto da vida (Quem teve a ousadia de entrar na minha loja e tocar naqueles instrumento?? Que insulto!) foi até a loja, abriu a porta já com o cinto na mão pronto para dar uma lição no engraçadinho que entrara ali. Mas quando olhou... Como podia ser? Eram gafanhotos, tocando cada um dos instrumentos, fazendo uma coisa linda: colorindo a loja. Ele fechou a porta e ficou lá dentro, ouvindo.
As pessoas chegavam de todas as direções ansiosas por ver o que estava acontecendo. Cercaram a loja e não ousaram fazer um comentário sequer: queriam apenas ouvir a música.
Ficar lá dentro, durante aquele tempo, ouvindo aquilo que poderia ter sido considerado uma praga (em outras épocas) tocando seus instrumentos divinamente, ver gafanhotos fazer aquele concerto... O luthier estava tocado (literalmente) por cada nota, sorria ao vê-los trocando de instrumento entre si (faziam isso pulando). Sentia-se criança. Ele mesmo pegou um dos violões e pôs-se a tocar uma de suas músicas prediletas. Naquele ambiente cheio, naquele ambiente lindo, reencontrou-se. Quando terminou a música, e abriu a porta, os gafanhotos voaram para longe, não restando nem um para contar história.
O luthier, com um sorriso maroto, olhou para aquela população inteira que ocupava o beco de sua loja. Todos ansiosos por um resposta. E no final, ele deu uma...
Este é um dos textos que fiz com o tema "Violão", à pedido de Bruno Diniz. Se você também gostaria que eu escrevesse sobre um tema específico, por favor, comente! Sinta-se à vontade!!
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