Sem motivo: música
Música. Ela sempre fez parte da minha vida, de um modo ou de outro. E não consigo imaginar como deve ser a vida de alguém que não conhece a música. Que nunca esteve em contato com a música. Afinal, ela é uma continuação intelectual do físico do ser humano. Ela é o intangível que mais sentimos e acreditamos. Ela é o bem comum que todos gostam, criam, preservam e difundem.
O momento mais claro e evidente em que a música estava ali, presente na minha vida, foi quando resolvi que queria tocar violino. Foi assim: 9 anos, tinha recém mudado de escola, os professores de música (que davam aula e cobravam-na financeiramente à parte) entraram na sala e tocaram flauta, violino e sei lá mais o que. Não sei o motivo pelo qual eu quis, não sei mesmo. Acredito que, assim como supostamente agimos instintivamente com tantas coisas, agi assim ao escolher tocar um instrumento. Talvez fosse uma necessidade. De qualquer modo, cheguei em casa e falei minha decisão: quero tocar violino. Meus pais me perguntaram várias vezes se era realmente aquilo que eu queria e eu sempre dizia que sim.
Em algum momento, comecei minhas aulas. Gostava muito, mas como em quase tudo, odiava ter que seguir as regras disso ou daquilo. Ao invés de ficar treinando insistentemente aquele música XYZ, eu tocava umas 3 vezes e ia tentar tocar qualquer outra coisa que me desse vontade. Testava possibilidades. Testava tudo o que poderia acontecer entre 4 cordas, um arco e eu. Era isso que era legal. Era disso que eu gostava. Só isso.
Lá, naquela escola, eu não tinha aulas de como deveria ler uma partitura: eu tocava. Mas era inevitável: mais cedo ou mais tarde eu iria sair de lá.
Aos 12 anos, mudei de escola novamente. E lá fomos nós mudar de escola de música também. Fui para a Cia das Cordas. Lá o método era o Suzuki. Maravilhosamente divertido: eu ouvia as músicas que eu deveria tocar. E ouvia atentamente a música. Ouvia porque que eu iria aprender a tocá-la daquele jeito. Até que chegava o momento de simplesmente tocá-la. E eu tocava. Errava uma ou outra nota, mas sabia onde buscar no instrumento, quais notas eram ligadas ou não. Quando havia vibrato (que eu aprendi, mas hoje não lembro) ou quando não. Podia ficar muito tempo fazendo isso. Ler a partitura? Pensar na matemática da música? Jamais deixaria que a matemática ousasse entrar na música que eu tocasse. Para mim isso era inconcebível: matemática eram números e, às vezes, letra. Música é sentimento, notas e tempo. O resto é sugestão.
Mas em algum momento, era preciso entender as partituras, coisa que eu não tinha lá, ao menos não do jeito que deveria ser. Logo mudei para outra escola de música.
Lá eu comecei a ler, de fato, as partituras. Devo confessar que não gostava das aulas de solfejo. A coisa parecia estar perdendo graça. Mas eu gostava de música, era o que eu até cogitava fazer de faculdade.
Por diversos motivos, saí daquela escola de música e não fui para outra. Assim como não sei dizer o motivo pelo qual decidi começar as aulas de violino, resolvi, naquele instante, parar de tocá-lo. Talvez tenha sido o medo. Talvez tenha sido uma decepção e frustração interna, minha.
Da última vez que passei pela minha última escola, ela não estava naquele prédio. O prédio, agora, era um escritório de advocacia.
Passei muitos anos apenas pensando e criando músicas (as quais raramente consigo me lembrar depois). Uma ou outra vez eu me arrisquei a pegar meu violino e lembrar algum som, dedilhando.
Já faz algum tempo, talvez desde o ano passado, que sinto que apenas me completarei quando voltar a tocar violino e souber de fato tocá-lo, sem o receio de me apresentar para os outros. Não tenho explicação para essa vontade, e acredito que seja como quase tudo na vida: você precisa fazer, você precisa sentir, você precisa agir, mesmo sem saber o motivo. Porque assim, seguimos sendo humanos.
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