Papeando com Marcelo Oséas
O Papeando já foi um quadro muito conhecido e usado no primeiro blog que tive (o News Teen) e ele acabou meio que se perpetuando pelo podcast sobre música eletrônica e discotecagem do Lacuna Tropical (clique aqui para acessar o Mixcloud com o podcast e aqui para acessar o blog Lacuna Tropical). Hoje, ele invade (e mais do que bem-vindo e desejado, por mim, de pertencer ao Anônima) em grande estilo com o querido Marcelo Oséas.
Não por acaso, ele volta ao Anônima apresentando um pouco do seu último trabalho, inclusive pelo qual fiquei apaixonada com a riqueza de detalhes e delicadeza na exposição da essência de uma realidade tão plural quanto a da aldeia Munduruku. Digo não por acaso porque nos conhecemos como fruto do Mapa dos Rolês pelo Cupping Coffee (clique aqui para ver o post) em um de seu Workshops sobre fotografia (clique aqui para relembrar este post).
Enfim, sem mais delongas, senhoras e senhores, com vocês Marcelo Oséas!!
Não por acaso, ele volta ao Anônima apresentando um pouco do seu último trabalho, inclusive pelo qual fiquei apaixonada com a riqueza de detalhes e delicadeza na exposição da essência de uma realidade tão plural quanto a da aldeia Munduruku. Digo não por acaso porque nos conhecemos como fruto do Mapa dos Rolês pelo Cupping Coffee (clique aqui para ver o post) em um de seu Workshops sobre fotografia (clique aqui para relembrar este post).
Enfim, sem mais delongas, senhoras e senhores, com vocês Marcelo Oséas!!
1- Seu trabalho como fotógrafo impressiona pela sensibilidade e delicadeza com a qual você consegue se unir ao que está sendo retratado e apresentar, assim, apenas a essência e espontaneidade do simples fato de as coisas serem e existirem naquele instante. Como foi que você se descobriu fotógrafo?
Olha, super sensível a sua descrição do meu trabalho... muito obrigado!
Sobre a minha descoberta como fotógrafo, foi um longo caminho. Eu tive que começar a trabalhar bem cedo, por conta das minhas condições familiares e, por este motivo, meu caminho foi sendo guiado pelo trabalho. Aos poucos, minha vida profissional foi se direcionando para o mercado financeiro, estudei economia, fui evoluindo, recebendo promoções, mas eu era super infeliz.
Eu cheguei até a achar que eu estava errado por me sentir daquela forma. Me perguntava: "Se está dando tudo tão certo, por que me sinto assim?". Até que chegou um ponto em que eu resolvi aceitar que aquele não era meu propósito e comecei a fazer cursos de várias coisas diferentes. Muitos! E tudo mudou quando eu simplesmente me permiti experimentar.
Dentre tantas coisas, encontrei a fotografia. Então percebi que eu já era apaixonado por ela e não sabia, tinha dezenas de revistas, livros e muitas horas de observação, sem nunca ter feito um click.
2- Você tem todo um processo que demanda certo tempo para conseguir o resultado íntimo e pessoal que você apresenta em seu trabalho. Como conseguiu aprender a conter a ansiedade em apresentar quantidade de fotos boas para passar a apresentar fotos de qualidade e importância únicas?
Eu acredito profundamente que o bom fotógrafo não é aquele que tira boas fotos, mas sim aquele (ou aquela) que escolhe boas fotos para mostrar. Essa escolha começa junto com a concepção do trabalho, na pesquisa que o antecede, apesar de ser feita definitivamente em uma das últimas etapas do trabalho.
Assim, a ansiedade fica mais fácil de controlar, pois tudo tem um objetivo.
(Foto acima é a original, sem nenhum tipo de edição da minha parte, cedida pelo próprio Marcelo Oséas para o blog)
3- Entender qual é o momento certo de fazer o registro deve ser um tanto quanto difícil, já que é preciso calibrar sua percepção num nível bem alto, não é mesmo? Como você construiu esse seu método para detectar quando chegou o momento de tirar aquela foto única e marcante?
Tudo se resume à minha pesquisa, que representa 70% do trabalho fotográfico, e antecede o momento dos clicks. Eu contextualizo meu assunto dentro do escopo da minha busca e assim a fotografia praticamente já está pronta. Assim, a relação com o tempo da fotografia se transforma, eu simplesmente espero ela acontecer e acabo (na hora das fotos mesmo) conseguindo dedicar o meu tempo a aprofundar a minha relação com as pessoas que fotografo.
4- Você já fez vários projetos sensacionais, mas acho que este último pela Amazônia ultrapassou todas e quaisquer expectativas. Canta um pouco do seu processo criativo para chegar no formato do projeto fotográfico semi-artesanal que rolou da aldeia Munduruku!
"Uma Crônica munduruku" é um trabalho que funde dois campos de meu interesse, o conceitual e o material. No espaço conceitual, eu pude conviver e fotografar uma comunidade que representa os valores que mantenho como linha de pesquisa, que se resume em estudar contato da nossa sociedade de consumo com comunidades tradicionais, que possuem valores distintos do nosso.
Em grande parte, os trabalhos fotográficos se resumem ao conteúdo da fotografia e não à sua existência física, como o papel, o pigmento, e a forma de impressão. E aqui cabe o outro campo que me aprofundei, a materialidade da fotografia, quando decidi fundir o processo de impressão mais tecnológico que existe (o Fine Art) com as cores naturais da Amazônia.
(Foto acima é a original, sem nenhum tipo de edição da minha parte, cedida pelo próprio Marcelo Oséas para o blog)
5- Aliás, foi bem inusitado a escolha do seu destino: como você descobriu a aldeia e o projeto da escola de suma importância "na divulgação dos saberes tradicionais para a juventude", como você mesmo descreve?
Olha, eu costumo pesquisar bastante a região que pretendo viajar, mas ao mesmo tempo eu deixo bastante espaço para conseguir descobrir novas coisas, visitar novos lugares e etc.. No período de um mês que estive na Amazônia, eu visitei cerca de 15 comunidades diferentes.
A aldeia em questão, que está localizada na região do baixo Tapajós, eu visitei após entrar em contato com uma guia local, a Lalah, que desenvolve um trabalho com 33 aldeias do norte do Brasil. E, após entender o contexto de cada comunidade, optei por visitar esta que se tornou o objeto da exposição.
A aldeia em questão, que está localizada na região do baixo Tapajós, eu visitei após entrar em contato com uma guia local, a Lalah, que desenvolve um trabalho com 33 aldeias do norte do Brasil. E, após entender o contexto de cada comunidade, optei por visitar esta que se tornou o objeto da exposição.
Com relação ao projeto de escola, ele surgiu de uma pergunta que eu fiz para o Cacique Munduruku. Naquele ponto, eu já havia decidido dedicar o trabalho completo à comunidade e, como sempre faço, estava em busca de alguma contrapartida real que eu pudesse dedicar a eles. E a escola surgiu como consequência disso.
(Foto acima é a original, sem nenhum tipo de edição da minha parte, cedida pelo próprio Marcelo Oséas para o blog)
6- Uma coisa muito bacana neste trabalho fotográfico como um todo é que ele repercutirá diretamente na aldeia, não apenas como uma forma de retrato de uma realidade, mas como um retorno de parte da arrecadação das vendas das fotos na forma da escola. Comenta um pouco sobre essa ação social e como você vê/entende a relação da fotografia e seus impactos sociais!
É dificílimo mensurar o quanto um trabalho fotográfico realmente contribui para algum tipo de preservação, quando se propõe a isso. Dependemos exclusivamente de análises estatísticas e na maioria dos casos, a devastação é maior que a intenção.
Tendo a vontade de preservação em mente, decidi propor uma contrapartida concreta para a minha exposição, onde uma parcela da venda das obras será destinada à construção de uma Escola da aldeia Munduruku, cujo objetivo central é a divulgação dos saberes tradicionais para a juventude. O projeto é concebido pela própria aldeia e eu fui autorizado para ser o interlocutor deles, aqui em São Paulo, para divulgar e coletar recursos.
Apesar de ter seu território legalmente demarcado, a aldeia ainda sofre com a exploração de madeira nativa, quando membros da comunidade, inadvertidamente, permitem o corte ilegal na região. Desta maneira, a liderança da etnia acredita que com saberes oferecidos pela Escola, conseguirão continuar a transmitir os valores tradicionais à juventude e, consequentemente, a preservação da floresta.
(Foto acima é a original, sem nenhum tipo de edição da minha parte, cedida pelo próprio Marcelo Oséas para o blog)
7- O processo semi-artesanal das fotos vem do fato que você se utilizou de processos antigos e até nostálgicos para a coloração das fotos, mas com um diferencial decisivo: trazendo, literalmente, as cores da Amazônia para as fotos! Como você teve essa ideia? Como você fez essa pesquisa para encontrar as plantas certas para chegar nos pigmentos e no ponto daquilo que você descreveu como algo parecido com uma tinta guache para colorir as fotos?
Até encontrar o processo apresentado na exposição, levei um ano de pesquisa constante, de vários tipos de impressões alternativas de fotografia. Fiquei admirado quando comecei a lidar com os pigmentos naturais, disponíveis em São Paulo, como o da beterraba. Aí, me aprofundei em vários elementos e, principalmente, em quais elementos fornecem quais tipos de cores.
Nesse meio tempo, uma grande amiga designer, a Maria Fernanda Paes de Barros, idealizadora de uma marca de mobiliários chamada Yankatu, também estava se aprofundando em pigmentação natural e fundimos nossas pesquisas. E, durante a minha viagem, nos encontramos no Pará, na comunidade de Urucureá, onde pudemos acompanhar os locais extraindo e tingindo materiais com elementos naturais. Grande parte dos pigmentos que utilizei, vieram desta comunidade.
8- Apesar de a pergunta, agora, ser um tanto clichê, estou super curiosa para saber o que a fotografia é para você!
Para mim, a fotografia é um convite. Para acessarmos outras formas de vida, para expandirmos nossa percepção. Simplesmente, um convite.
9- E mais outra grande curiosidade: já tem um novo projeto em andamento? Rola um spoiler?
Eu costumo dizer que não vejo quebra entre um trabalho e outro, mas sim uma continuidade. Está tudo conectado por uma busca continua e interminável.
Mas, tenho algumas vontades, como voltar à Amazônia e apresentar, quem sabe no próximo ano, trabalhos em colaboração com outros artistas, de vários campos de trabalho.
10- Obrigada pela entrevista e vamos ficar de olho em suas produções incríveis! Deixo aqui, um espaço para você comentar algo que queira complementar à entrevista!
Eu que agradeço o espaço e as perguntas, tão completas e sensíveis. Deixo aqui registrado que a exposição continua aberta, podendo ser visitada de Segunda a Sexta, das 14 às 21 horas e aos finais de semana, com agendamento. O endereço da galeria é Rua Professor Filadelfo de Azevedo, 521 casa 2. Espero vocês!
Que entrevista deliciosa!! Obrigada pela atenção e pelo carinho Marcelo!
E recomendo altamente que vocês sigam este fotógrafo sensacional, porque além dos projetos fotográficos, ele também está com uma agenda mega bacana de palestras, Workshops e cursos, então clique aqui para conferir o Instagram dele!
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